top of page
Buscar

ATIVISTA



Durante muito tempo, desejei ser como um albatroz. Suas asas, onde envergadura pode alcançar mais de 3 metros, representam o símbolo mais claro da liberdade que soava potente dentro de mim. Sempre amei a confiança que a liberdade me traz. De poder expressar os sentimentos, lutar pela verdade, ser quem eu sou. Transparente. Nua. Solta. Por dentro e por fora.


Mas até encontrar esse espaço no mundo, sentia que precisava vencer algumas questões internas. Cobranças. Medo. A inquietude de viver numa sociedade cheia de extremos e injustiças me fez desvendar um universo com algumas possibilidades. Cruzei, literalmente com um monte de lixo no meu caminho, até perceber, que se eu não fizesse alguma coisa, quem mais faria?


Assombrada pelo temor de uma tempestade, sendo observada por testemunhas oculares que analisam de forma dura e egoísta sobre a escolha do meu destino, ao questionar, “Qual será a profissão que ela vai exercer? Talvez Médica? Advogada? Dentista?” A resposta certa? “Ativista”.


Parece que me veio o momento certo de estar atenta àquele assobio ao pé do ouvido, dizendo para mim mesma: “Vá. Se permita. Voe.” É possível sim, mesmo sem ser rica ou motivada pela exploração da geografia, viajar os continentes, proteger indígenas, florestas, o oceano e sua mais bela e complexa biodiversidade.


Em um dia de fúria decidi levar minhas pernas para uma caminhada distante, sem volta, para sentir a delicadeza da espuma das ondas que vinham, em seu tempo, tocar os meus pés enquanto dizia para mim mesma “Quero viver disso.” Quero esse breve espaço de tempo para construir a minha história. Do meu jeito. E no mundo.


Como um albatroz: Atravessar ilhas oceânicas e áreas desabitadas, passar bons anos da minha vida navegando sobre o mar, e com toda a candura que cabe em mim, observá-lo voando na proa do navio. Imaginava seus longos quilômetros sem tocar a terra, dormindo em pleno vôo, bebendo da água salgada por meses.


Ser ativista é ter uma ética encorporada, é um estilo de vida. Uma escolha profunda, e quase sem volta, que apesar de trazer muita satisfação pessoal pela “simples” doação, não significa que seja uma vida fácil.


É saber que profissionalmente pode haver altos e baixos, assim como as marés. É sentir dor a cada ilha de plástico encontrada na superfície do mar ou no fundo dele. É sofrer quando pessoas e espécies são dizimadas por interesses ecônomicos. Entender que não tem hora para voltar para casa, quando se abraça uma vida de um propósito incomensurável. É singrar na vida.


As grandes asas brancas levam estas vastas aves do mar, ao seu destino do infinito. Na beleza de um horizonte que é possível aos olhos dos que decidem abrir mão do seu conforto. Dos amigos. Do cinema. Dos finais de semana. Dos banhos longos. E até mesmo, dos afetos.


Dentro de uma imersão completa que se iniciou aos 14 anos de idade, vi o tempo passar de um jeito diferente. Com as incertezas todas de quem carrega o mundo nas costas. Com as dúvidas de como eu ia conseguir traçar um plano estratégico com meus companheiros na peleja para mudar o planeta! Sentindo a necessidade de transcender o medo, me lancei. Me entreguei inteiramente, como um albatroz ao seu parceiro de vida, monogâmico que é. Fiel até o resto dos seus dias. Fui presa, deportada, agredida, abandonada por defender a liberdade dos seres. Por acreditar num mundo mais equilibrado.


A liberdade sempre vai ter um preço. Quando sentia que precisava do cheiro de terra, voltava ao porto. Ao chegar no porto, já sentia falta do cheiro do mar. E do albatroz me guiando, depois de ter atravessado a maior tempestade dos últimos 10 anos, no mar de Schekleton, para salvar 3 tripulantes noruegueses, sem sucesso. Idiossincrasias minhas.

Anos se passaram entre altos e baixos. Sempre em busca da minha rota. Eu tinha medo de deixar o mar, porque aquilo era grande parte da minha transformação de alma. O verso solto no ar. O sentido de minha existência.


Encontrei minha confiança, ousadia, libertação e alforria no mar. Portanto, como iria me separar dele? Afinal, foi ali que o meu ativismo nasceu. A vontade de agir do local para o global. Limpar o lixo do nosso quintal. Me orgulhar do que espero ver um dia em plena órbita. Tomei coragem, e decidi ancorar para buscar novos e bons ventos. Ancorei em mim.


Entre eu e a vida há uma linha tênue, e por mais que eu veja e compreenda certas nuances, reconheço a minha falta de privilégios por não ser doutora, advogada ou dentista. Afinal, “Je suis comme je suis”, como dizia Jacques Prevert numa das poesias mais doces já escritas.


Eu não sei se quem nasce ativista, morre ativista. Sigo assumindo todos os riscos envolvidos, em um trabalho que ainda não é reconhecido, de forma geral, como real e viável. Porém quando ministro uma palestra, faço uma contação de história infantil, apresento uma performance, realizo um filme, exposição fotográfica ou escrevo um livro, ali está o meu Albatroz. Intensa. Focada. Entregue. Determinada. Leal aos meus valores, aprendendo a cada dia como respeitar esse corpo e sonhos que estão para além do que a sociedade define, como um rótulo que não cabe no meu crachá.


No vídeo "Eu, Ativista" https://www.youtube.com/watch?v=4yPzwlJROpw você saberá mais das minhas histórias nessa jornada. Confira o Canal Sextante, lá no meu canal no Youtube.

(Foto de Henrik Hoff)


96 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page